salvador
dezenove de agosto de dois mil e dezessete
há algum tempo minhas aparições têm se tornado ainda mais esporádicas. às vezes me pergunto se o que eu dizia aos dezesseis anos era mesmo verdade: – internem-me se eu parar de escrever algum dia, pois já não serei eu. se este for o caso, prescrevam-me a internação, porque há tempos escrever deixou de ser uma necessidade vital e passou a ser mero acaso da vida.
esse mês de agosto tem-me feito refletir sobre alguns aspectos da vida. um gatilho com “o que é um hexágono?” e uma quase petite morte no sentido ao pé da letra. viver virou uma incongruência, uma incógnita e às vezes só sobreviver. isso me faz chorar. de “não tenho mais creme” a “o que tem pro café da manhã?” me fazem chorar. chorar pra mim deixou de ser em filmes meia-boca de comédia romântica sem finais felizes. chorar pra mim virou viver.
e eu vivo chorando. por mim, pelos outros.
a passagem adolescência – vida adulta se confirmou incisivamente. entre pagamento de boletos, de contas, resolução de problemas no banco, eu me perguntei – realmente – como suportar essa vida. não tem sido fácil. constatar que o sofrimento não é unilateral doeu.
eu nunca gostei de aniversários, mas o desse ano se tornou ainda pior. enquanto eu refletia sobre vida amorosa, relacionamentos de amizade, família, estudos e contas pra pagar, eu chorei. chorei um choro lamentado e sofrido porque, se pra mim, que desde os quatorze anos vivo entre boletos e contas, pra outras pessoas isso é mais insustentável ainda.
se pra mim, que tenho o auxílio e algumas – contáveis – pessoas, tem sido insano. pra quem não tem se torna ainda pior. isso que um dia considerei vida só existe nas comédias românticas que não me fazem mais chorar.
hoje, no ônibus, entrou um jovem, 34 anos. sua história: uma filha de 7 meses. desempregado. sua mulher também. vendia doces nos ônibus. minha teoria de que o número de vendedores ambulantes em ônibus tinha aumentado se confirmou. muitos novos, que eu jamais tinha visto antes nos coletivos. muitos que eu já conhecia.
dia desses presenciei uma outra cena no ônibus, no Barra 3 – Estação Mussurunga. vários policiais pararam o ônibus para fazer uma revista intencional. pararam o ônibus por causa de uma denúncia contra dois jovens negros. todos os homens descem, o policial disse. os homens desceram para serem “revistados”, aspeado porque, na verdade, apenas os dois jovens negros foram.
enquanto, dentro do ônibus, um menino de uns dez, doze anos, tinha ficado no ônibus e levava uma repreensão do policial. você não é homem não? perguntou. o menino, acuado, respondeu que sim. então por que não desceu com os outros? eu não sabia, senhor. e eu chorei.
chorei porque eu me dei conta do quanto um sistema injusto incide sobre eles, sobre nós. do quão privilegiada eu sou. chorei porque eu queria, de verdade, que eles nunca passassem por aquilo. e porque sabia que passariam ainda muitas vezes.
eu chorei o caminho todo até a UFBA.